segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

Margô e Manuel, 1989


Tô catando uma foto com todos meus filhos juntos. Não achei ainda. Mas tem essa, de Margô e Manuel, em meados de 1989, no apartamento antigo de Nonô, minha sogra, em Miguel Lemos.

Duas fotos algo mais recentes, 1977 e 1978



A de baixo mostra, no Natal de 1977, em casa de Dindinha, já o apartamento de Bulhões de Carvalho, papai (de bengala) e Dindinha - Conceição, que nunca foi, como Tatá me disse aquela vez, Maria das Conchas Conceição; Tio Agostinho com Pedro no colo, Pedro ainda de cabelos louros e cacheados; Margô, grávida de Mariana; e eu, sem barba.

(Tio Agostinho não era tio; era um grande amigo de papai, Agostinho Olavo Rodrigues. Conhecera a verdadeira Mme de Guermantes - Mme Greffulhe - e era amigo de Jacqueline de Ribes. E, como dizia, era pobre feito um rato de igreja. Tinha uma língua afiadíssima: na saída de meu casamento, Nise da Silveira, sua amiga e vizinha, emocionada, pegou Tio Agostinho e disse, Agostinho, eles se conheceram lá em casa! Tio Agostinho, na lata: Nise, não sabia que você agora arranjava encontros entre casais...

Pano rápido, tipo fim do segundo ato de Die Meistersinger.

Tio Agostinho foi a única pessoa que conheci que dava rasteira na Nise :))

A outra mostra Margô se equilibrando num dos braços da Ponte de Comando, a cadeira favorita de Tatá, que eu herdei e está na varanda aqui de casa, num canto como no Rosário, com Pedro - tendo Leone no colo, fazendo pfff! - e, nos braços da mãe, Mariana. Maio de 1978, um inverno que começava, pesado.

Criança abandonada


Não, não era criança abandonada, longe disso, mas tô com cara de criancinha jogada fora nessa foto, que mamãe tirou no dia de ano novo de 1949. Foi na casa onde meus pais continuavam a morar, 19 de Fevereiro, 64, depois da morte de Vuvu, Raul Moitinho Doria, em 1948. O jardim onde estou era o jardinzinho estilo Binot ao lado da casa, indo da entrada até o quintal no fundo, onde ficava a grande mangueira de manga-espada.

domingo, 30 de dezembro de 2007

A Joaquina da Praia da Joaquina (SC) e seu marido



O marido é Antonio Gomes de Mattos Jr., engenheiro naval, patrono da marinha mercante brasileira. Ela, D. Joaquina Rosa de Oliveira Costa, filha do almirante e senador Jesuíno de Lamego Costa e de sua mulher D. Leonor Auta de Oliveira, 2os. Barões da Laguna.

O Velho Justo


Ninguém jamais chamou a vovô de Velho Justo. Durante muito tempo só o chamava de Vovô Dindinho, porque era meu padrinho de batismo - batizava os netos, apesar de ser agnóstico declarado e militante, livre-pensador, como se dizia. Para os de fora da família era o Doutor Justo, embora só fosse bacharel em direito; uma vez me contou que se recusou a apresentar tese de doutoramento depois da colação de grau na Faculdade de Direito (era comum escreverem tais teses) porque achava uma inutilidade e perda de tempo.

Chamava-se Justo, Justo Rangel Mendes de Moraes, devido ao avô materno, Justo de Azambuja Rangel, engenheiro de ponts et chaussées. Que se chamava Justo devido ao pai, Justo José Luiz, casado com Rita Justina de Azambuja Rangel - e daí sobe o pedigree até o fundador de Porto Alegre, Jerônimo Dornelas, indefinidamente pelas famílias da ilha da Madeira.

Duas vezes recusou uma cadeira no Supremo. Dizia que era mais honroso permanecer como advogado. Uma vez foi, creio, no começo do regime Vargas, logo depois de 1930; outra vez no tempo do Dutra.

A foto é de cerca de 1935.

Tia Neta


Na imagem, de dezembro de 1974, Pedro no colo de vovó, e ao lado Tia Neta. Estão no sofá embutido da saleta da Casa da Vovó; atrás dos almofadões verticais havia um socavão onde a gente se escondia em brincadeira de pique-esconde.

Hoje Tia Neta faria 97 anos. Tia Neta, Antonieta Miró de Moraes, casada com Tio Luiz, Luiz Mendes de Moraes Neto. Tia Neta era prima-irmã de vovô, filha de um irmão caçula do bivô marechal Luiz Mendes de Moraes, o também marechal Francisco Mendes de Moraes, casado com Irmina Miró.

Outra foto aqui de casa


Ontem de tarde, uma tarde magnífica. E' a entrada de casa; visível, quase como um torreão, a janela de nosso quarto. No meio do caminho a Helga, a labrador.

Camillo Cresta, I e II

Camillo Cresta, o neto, genovês, primo duas vezes de vovó por sua avó Cecilia Gomes de Mattos Cresta, casada com Camillo Cresta, sr., deixou uma mensagem aqui no blog.

Encontrei uma carta de Machado de Assis ao avô, encaminhando correspondência a Guglielmo Ferrero, sócio correspondente da Academia Brasileira de Letras, em 1907:

[162] A CAMILO CRESTA [RJ, 18 mai. 1907.]

Exmo. Sr. C. Cresta. / Aproveitando a sua viagem à Itália, peço-lhe o obséquio de levar a carta junta e entregá-la ao Sr. Guglielmo Ferrero. Pelo que ela diz verá que a Academia Brasileira de que é membro correspondente aquele escritor, sabe que ele vem brevemente a Buenos Aires; nela lhe pede que se demore alguns dias no Rio de Janeiro, onde nos poderá fazer duas ou três conferências. Naturalmente esta interrupção da viagem lhe trará algum transtorno, e para compensá-lo e acudir às despesas de estadia pode oferecer-lhe a soma de dez mil liras, que lhe serão entregues pelo modo que parecer melhor. / Agradecendo-lhe desde já este obséquio, peço-lhe também q disponha de mim para o que for do seu serviço, como / Adm.º, am.º e obr.° / MACHADO DE ASSIS.

[163] A GUILHERME FERRERO [RJ, 18 mai. 1907.]

Monsieur. / Cette lettre, que j’ai l’honneur de vous écrire au non de l’Académie Brésilienne, vous sera remise par M. Camillo Cresta, notre ami. L’Académie, dont vous venez d’être élu membre correspondant, connaît votre prochain voyage à Buenos Aires. Elle recevrait un grand honneur et un bien vif plaisir, si vous vouliez passer quelques jours à Rio de Janeiro. Ici, Monsieur, où vous avez des admirateurs fervents et nombreux, vous pourriez nous donner deux ou trois conférences publiques. Le sujet en serait à votre choix; naturellement il sera italien, comme vous-même, et moderne, comme votre esprit; personne ne sait dire comme vous de ce qui est matière artistique et sociale. / Nous serons bien heureux si vous acceptez cette invitation. Monsieur Cresta nous dira par lettre ou par telegramme votre réponse, et j’en donnerai la nouvelle à mes amis et nos confrères. / Agréez, Monsieur Ferrero, mes respectuex hommages et l’assurance de notre grande admiration. / MACHADO DE ASSIS.

Greg Chaitin, agosto de 2007


Greg Chaitin e o Moderno, presidente da Academia Brasileira de Filosofia. Na mesa, Oswaldo Chateaubriand, de cavanhaque, e eu. Estávamos no jantar que Maria Beltrão ofereceu ao pessoal do encontro Goedel e Einstein, Lógica e Tempo, no restaurante - fantástico - de sua filha.

Tenho imensa admiração pelo trabalho e pelas idéias de Greg. Levamos, Roberto Lins e eu, nesses dias de agosto, Greg e John Casti para almoçarem no Arab, o restaurante da Vivi, mulher do Chaim. Greg me disse que adora comida árabe, e que em Nova York não tem restaurante árabe decente. Até café da manhã tomou lá no Arab.

sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

Histórias de Tatá e outras histórias

Tatá foi meu tio mais velho, do lado de papai. Antonio Adolpho Accioli Doria, oficial de marinha, reformado como mar-e-guerra. Nasceu em 1901 e morreu em 1971, no domingo de Carnaval. Casou-se com Tia Minha Helena (por que o nick? Alguma vez explico), ou Helena Maria Amália Fialho de Castro Silva, nome ao qual juntou ainda assim o “Accioli Doria” de Tatá. (Tem também outra história aí.)

Tia Minha Helena morreu em 98. Era filha do almirante José Machado de Castro Silva, comandante de vários comandos navais e ministro do STM, e de Dona Marieta, Marietinha - Maria Amália Fialho. (Castro Silva do Ceará.) Tem muita história de Dona Marieta, também, que vou algum dia contar, depois das histórias de Tatá.

Tatá era muito alto, empertigado, falava de modo solene. Fazia cara feia em público. Se alguém aí leu o livro de Alfredo Mesquita, Silvia Pélica na Liberdade, Tatá era um pouco feito seu Cézar, José Joaquim de Cerqueira Cézar, lá descrito e caricaturado pela Hilde - só que Tatá não
tinha o cavanhaque do seu Cézar. Tatá era um gozador como o seu Cézar; foi um dos maiores gozadores que conheci. Só vi Tatá de mau-humor uma vez (e depois, depois conto disso; foi para cima de um amigo meu). De sua carreira, foi observador brasileiro na guerra do Chaco, um retiro de três meses que ele tirou de letra lendo Ulysses de Joyce, isso mesmo, e na década de vinte. Quem mandou para ele foi uma inglesa, transa do momento (foi ele que me contou). Reformado, virou diretor da antiga SNAAP - Serviço de Navegação da Amazônia e Administração do Porto do Pará, e depois de re-aposentado, fixou-se no Rio.

Papai tinha adoração por Tatá, seu irmão mais velho; papai era o caçula. Fui Francisco *Antonio* como já disse devido a Tatá e a Tunico, meu tio-avô, tio direto dos irmãos e de papai, Antonio Moitinho Doria, um advogado de muito prestígio - quem tinha diploma superior, nesse meu povo (não era todo mundo), era ou advogado ou médico. Papai comentava que “tinha que ter um Antonio em cada geração”; era coisa dos Dorias baianos, e eu sou o Antonio da minha, Tatá o da anterior, Tunico antes.

(Fazendo as contas, Tunico era Antonio IX, Tatá Antonio X. E essa lista acaba aqui.)

Depois também conto essa dos Antonios. Afinal, se Tatá era Antonio, vale também como história de Tatá.

E vai agora a primeira história.

Margô, Manuel e eu fomos uma vez, aqui em Petrópolis, ao lançamento de um livro na Casa de Petrópolis. A Casa de Petrópolis é mais conhecida, bem, como Casa Mal-Assombrada da Rua Ypiranga. Foi construída em 1884 ou 85 por José Tavares Guerra, um capitalista muito bem sucedido; a casa é uma casa vitoriana, parecida com outras que você pode ver, memória do século XIX, nos Estados Unidos - um ícone desses, a casa de Norman Bates, em Psycho, por exemplo. Do Tavares Guerra passou a seus netos, o pessoal Rocha Miranda. Ao lado, num terreno vazio, um dos netos, o arquiteto, Dr. Alcides da Rocha Miranda, construiu para os irmãos uma casa bem moderna, funcional tipo anos cinquenta, com um jardim de Burle Marx. Na frente da Casa Mal Assombrada, um jardim de Glaziou, jardim landscaped inglês, como os de Capability Brown, no fim do século XVII.

Quem administra a Casa de Petrópolis é Luiz Aquila, o pintor, filho do Dr. Alcides. Uma vez, conversando com ele, perguntei sobre a Casa Mal Assombrada - de gozação, um pouco. E ele me abre um sorriso de Drácula, todo caninos, arregala os olhos, e diz entre todos os dentes, “não é Casa Mal Assombrada, é a Casa Encantada.”

O livro lançado foi o Dicionário de Artes Decorativas, Nova Fronteira, de Stella Moutinho. Bom, fui lá para ver Stella, minha prima, viúva de Paulo Celso Moutinho, primo de papai. Porque tenho me lembrado, sempre, avisita de pêsames que Paulo Celso, Tasso da Costa Doria, e Jorge Moitinho Doria, foram nos fazer, a Tia Minha Helena, a papai e a mim, pela morte
de Tatá.

(Jorge Moitinho Doria *não é* o ator Jorge Doria. Este se chama Jorge Pires Ferreira, e, coincidência engraçada, vem a ser primo no lado materno de minha neta. Jorge, meu primo, era médico, sanitarista, diretor da Fábrica Bangu e membro da Academia Nacional de Medicina.)

Chegaram os três, Paulo Celso, Tasso e Jorge, com cara de velório, claro. Mas começaram logo a conversar entre si e a contar causos, histórias de Estância em Sergipe, terra de meu avô Doria, histórias de gente antiga da família, o tataravô - bisavô deles - padre que pulava a cerca e não podia ver mulher, a prima que era casada e não tinha filhos e sua irmã, solteira e cheia de filhos de vários pais, e piada e piada e piada. De repente papai, a meu lado, chorando de tanto rir, diz, “gente, vocês parem com isso, parem de contar piada, essa é uma visita de pêsames.” E Paulo Celso, direto, “você tem razão, Gustavinho, vamos chorar um pouquinho. Buáaaa. Bom, agora, vocês se lembram da história da tia...”

E foram em frente.

Antes de passar à segunda história, conto um pouco sobre Stella Moutinho, que foi minha madeleine para chegar a Paulo Celso Moutinho, e à visita de pêsames que nos fez devido à morte de Tatá. Stella é filha do Didi,ou Rodrigo Octavio Filho, membro da Academia Brasileira de Letras, escritor e político, tal como seu pai, Rodrigo Octavio Langaard de Menezes.

E' sina: Rodrigo Octavio era neto de um padre baiano, Rodrigo Ignacio de Souza Menezes. Não sei se da família do Agrário de Menezes - Agrário de Souza Menezes; talvez. (E Stella vai casar com Paulo, bisneto do cônego Azevedo meu tetravô; parece mesmo que é sina.) O filho do padre casa-se com a filha de um médico dinamarquês, Teodoro Langaard (pronuncia-se
Langôrd, acento no ô), radicado no Rio. O neto, Rodrigo Octavio, o pai, é escritor e político, assim como seu filho. As duas famílias sempre foram ligadas: quanto Tunico, Antonio, o nono do nome, Antonio Moitinho Doria, meu tio-avô, morre, em 1950, o Didi, Rodrigo Octavio Filho, faz-lhe um discurso à boca da sepultura. Muito tempo depois, em 74, quando visitamos, Margô e eu, Helena Moitinho Doria, última tia-avô sobrevivente, ela me dá o manuscrito do discurso do Didi. Discurso muito emocionado. Um dia publico.

(Tunico, segundo papai, era pouco inteligente. Inteligente era meu avô materno, o Velho Justo, Justo Rangel Mendes de Moraes, outro grande advogado. Preconceito de papai; nada de Justo; injustiça de papai contra o tio. Tunico escreveu um livro de ensaios, Cinquenta Anos de Profissão, surpreendentemente claro e fluido na escrita, e com boas idéias. Texto limpo, sem lugares-comuns. Já são seis gerações de gente que escreve, desde meu trisavô Doria, José da Costa Doria, que é dado como professor num documento de 1833, em Itapicuru, até meus filhos.)

Rodrigo Octavio, o pai, morre em 1944. Tenho dele a reedição de um livro, Minhas Memórias dos Outros, republicado pela Civilização em 1978. Faz um retrato de mais outro meu parente, o velho Prudente, Prudente de Moraes. E, en passant, conta a história da morte do filho bastardo de Prudente, José Marcelino (que chama, errado, de José Prudente). Porque, com aquela cara toda sizuda, o velho Prudente teve, aos dezoito anos, um filho bastardo. O original do testamento de Prudente estava conosco, estava com Tia Neta, que uma vez me mostrou o manuscrito. Não sei onde foi parar. Falava nesse filho, e nas filhas que o Zé Marcelino teve.

Não adianta ir na Genealogia Paulistana; Silva Leme omitiu-o.

(Vocês podem se perguntar como sei de tudo isso. A gente *tinha* que saber. Diziam: “hoje vamos visitar seu Fulano, ou tio Beltrano. Ele é parente assim, assado. Você *não* pode perguntar sobre a mulher dele porque ela é doente, fica internada - doença séria era tabu. O filho dele, Sicrano, também é meio esquisito, mas trata o rapaz como se você não notasse nada. A avó, Dona Filinha, é um encanto. Pergunta a ela pelo pai barão, que ela conta umas histórias engraçadas.” A gente aprendia tudo sobre todo mundo. Viver com esse povo era viver numa complicadíssima teia de relacionamentos super-emaranhados, e você tinha que aprender tudo isso, para se mexer sem problemas, ao menos sem gafes.)

Agora, a história de Tatá. E' a mais famosa de todas. Tem título: Helena não tem umbigo.

Tatá era casado com Helena, ou Tia Minha Helena. No início dos anos 50, como Tatá era diretor da SNAAP e vivia no Pará, os dois vinham esporadicamente aoRio, onde tinham um apartamento pequeno, quarto-e-sala, por aí, espécie de pied-à-terre, num edifício nos começos de Copacabana - esquina de Barata Ribeiro, ainda está lá, o Jabre. O almirante Castro Silva, sogro de Tatá, tinha morrido há pouco num desastre estúpido, e tinham mandado Dona Marieta, a viúva, para o Uruguai, onde a filha mais moça, Mary Castro Silva, era cônsul-geral.

(Mary, ou Maria Luisa Fialho de Castro Silva, era da mesma turma que João Cabral de Melo Neto no Itamaraty. Uma vez, eu já grandinho, Mary me pega, “vem me acompanhar no lançamento de um livro do Cabral.” Lá fui eu; foi no Marimbás. Entrei na fila da turma dos colegas dele do Rio Branco, e, quando me viu com Mary, Cabral botou na dedicatória, “para meu primo Francisco Antonio, com um abraço do João Cabral.” Bom, primos somos, com certeza, nas cucuias pernambucófilas, afinal.)

Começos de março, 51 ou 52; logo depois do carnaval. Mary e Dona Marieta estavam no Rio, de férias; tinham alugado um apartamento junto do de Tatá. Tatá tinha comprado a grande novidade: uma televisão. De repente, aparece no Rio uma funcionária do consulado em Montevideu, que sem ter o que fazer, ia toda noite ver televisão em casa de Tatá e Tia Minha
Helena. Como Tatá mesmo me disse, “seu Chico Antonio - ou seu Chicão, era assim que ele me chamava - o problema não era a mulher todo dia de televizinha; o problema é que ela era muito burra, e vivia dizendo montes de lugares-comuns. E você sabe que odeio conversa chata.” Odiava. Tatá foi uma das conversas mais inteligentes que conheci; adorava conversar com ele.

Uma noite, depois de um chorrilho de lugares comuns, depois que a infamada senhorita se manda, Tatá diz, “amanhã vou aprontar uma tal que nunca mais ela vem aqui.”

Dona Marieta objeta, “Mas Doria, amanhã não, por favor, porque amanhã Dona Sicrana - uma amiga de há muito de Dona Marieta - vem jantar conosco.”

“Vai ser amanhã, Marietinha querida. Não tem sursis. E Dona Sicrana pode ir se preparando para botar toneladas de ovos pela boca. (Isso porque Dona Sicrana, cujo nome não lembro, era muito formal e besta, e quando se incomodava, fazia aquela cara de quem estava botando um ovo pela boca, a tal da cara chupada.)

“Que é que você vai fazer?”

“Não sei. Vai ser a inspiração do momento.”

Dia seguinte. A moça do consulado chega, fila o jantar. Silêncio de todos, menos de Tatá, que conversava muito. De repente, a pergunta fatal, feita pela infeliz: “Comandante Doria, o senhor gosta de carnaval?”

Silêncio pesado. Todo mundo ali tinha horror a carnaval. Quando Tatá abre a boca, é porque chegou a hora. Todo mundo percebe. Começa a guerra:

“Adoro carnaval, minha senhora. Mas, infelizmente, não posso brincar.”

”Por que?”

“Questões de família.”

“Ora, comandante, já sou da família...”

(Grunhidos de Tatá.)

“...e o senhor pode contar.”

(Hesitação; negaças; a moça insiste, Tatá resiste, espicaçando-a.)

Clímax:

“Vou contar.”

Silêncio. Pausa.

Allegro con fuoco:

“Todo ano Helena minha mulher e eu saímos num bloco de nós dois sozinhos. Saímos fantasiados de índios, eu, com um cocar de penas bem emplumadas, e Helena, minha mulher, de biquini.”

(Atenção: 1952. Bikini ainda era o nome do atol, mudando para o nome do maiô de duas peças mínimo.)

“..com penas no soutien e penas na calcinha. Saímos sambando, e brincando de índio, uuuuuuuuú.”

(Tia Minha Helena tinha sumido; Marietinha estava apertada num canto, assustada, e Dona Sicrana punha dúzias de ovos pela boca.)

“Só que: Helena não tem umbigo.”

..... !!!!!

“E vinham aqueles caras de longe, viam que ela não tem umbigo, esticavam o dedo, e enfiavam na barriga de Helena.”

Tatá se levanta: aponta o dedo como um florete, esgrime-o no ar e ataca, enfiando num obtáculo invisível, uma Helena imaginária na sua frente; touché, quando mete o dedo no não-umbigo do fantasma.

“Mas como pode?” A mulherzinha se levanta fascinada.

“Assim.” Repete o jogo, a mise en scène. E vai levando a visita chata até a porta. Chega lá, abre, e diz, “boa noite.”

Foi quando a mulher se tocou. Não apareceu nunca mais.

Tenho o direito de ser como sou: nasci numa família ultra-surrealista.

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Devo ter nascido velhíssimo. Nasci num domingo, 18 de Novembro, ao meio dia, meio dia e meia, em Copacabana. Cresci em duas, três casas muito velhas. A casa dos meus avós maternos foi, digamos assim, a casa dominadora da minha infância. Era em Copacabana, no Posto 6, na Rainha Elizabeth. Primeiro, Rainha Elizabeth, 53. Depois, sei lá por que motivos, Rainha Elizabeth 129. Do outro lado da rua, exatamente em frente, moravam Tia Maria e Tio Werneck. Numa casa que era gêmea com a casa da Ligia, mãe do Luiz Antonio, um garoto que brincava conosco, chato paca. (Só duas diferenças: a casa da Ligia era amarelo-ocre e tinha árvores na frente; a de Tia Maria era branca e sem árvores, só com um canteirinho na entrada.)

A casa dos meus avós maternos era a Casa da Vovó. Ponto. Até porque meus avós paternos morreram logo. Já conto. (Ué, rimou; deixa assim.) Era uma casa imensa, de três andares, normanda, no meio de um terreno de quase mil metros, com um jardim que era quase um mini-parque, cheio de árvores e de esconderijos e de lugares para a gente brincar. O jardim, cercando dois terços da casa, era coberto de areia da praia, fina; de manhã o Oswaldo, o jardineiro, ancinhava toda a areia, e o jardim ficava com cara de jardim japonês. Fomos criados lá, eu, os filhos de Tio Luiz, os filhos de Tia Maria, que morava em frente.

Tinha galinheiro, tanque de patos, canil. Comi muito ovo fresco dali.

(Tia Maria, Maria Moraes Werneck de Castro - nasceu em 1909 e morreu em 93 - era casada com Tio Werneck, Luis Werneck de Castro. Eram militantes comunistas. Tia Maria era amicíssima do Prestes e de suas irmãs - conheci Dona Clotilde Prestes aqui em Petrópolis, passando o carnaval com Tia Maria. Tia Maria aparece em Graciliano Ramos, Memórias do Cárcere, várias vezes, e no Olga, de Fernando Morais. Porque Tia Maria esteve presa com Graciliano, Nise Silveira, Olga Benário - que ela chamava Maria Prestes, toda essa gente.

Já Tio Luiz, o Lula, como Tia Maria chamava, era de direita. Isso mesmo. Meteu-se em tudo quanto é golpe de direita no Brasil, Aragarças, Jacareacanga. Luiz Mendes de Moraes Neto. Morreu de uma morte trágica; não vou falar disso, ao menos por enquanto. Foi horrível.)

A Casa da Vovó era imensa. Contei uma vez: dez quartos. Em baixo, um hall central, uma sala imensa de visitas, uma sala de jantar maior ainda, com mesa para vinte pessoas, uma escadaria, e, junto à entrada, a saleta, espécie de escritório onde Vovô, o Velho Justo, Justo Rangel Mendes de Moraes, recebia os clientes. Logo junto da entrada principal da casa, que era protegida por uma porte cochère. A saleta estava cheia de livros; gozado, romances franceses do fim do século XIX e começos do XX, guias de viagem - uns Baedekers, ainda do século XIX -, a coleção do Henri Robert, Les Grands Procès de l'Histoire, que li sei lá quantas vezes, e retratos. Junto do telefone, pois tinha lá uma extensão do telefone, que era Ipanema-1149, virou 7-1149, e depois, toda minha adolescência, 27-1149 (a gente não esquece mesmo), junto do telefone tinha um busto em bronze de meu bisavô, que mamãe só chamava de Vovô Marechal, Luiz Mendes de Moraes, na farda francesa do exército de começos do século XX. Ficava num canto da sala. No outro canto, um retrato numa moldura especial, a foto autografada do Kaiser, Guilherme II, um garrancho, Wilhelm; o bivô viajara à Europa a convite do governo alemão em 1910, e o Kaiser recebera ao bivô e à bivó em audiência privada; foi quando lhes deu o retrato assinado.

Em cima da porta que ligava a saleta à sala de visitas, porta interna, o retrato do Velho Prudente. Acho que é o melhor retrato dele; foi pintado em 1899, um ano depois dele sair do governo. Mamãe só chamava ao presidente, Prudente o Velho, pois Prudente de Moraes Filho era tio direto dela, e o Neco, Prudente de Moraes, neto, o jornalista, era seu primo-irmão, e, creio, seu padrinho de batismo.

Testemunha no registro de mamãe, esse tio, Prudente de Moraes Filho.

O bivô, Luiz Mendes de Moraes, está em Silva Leme (vol. 7, p. 77, fácil de decorar). Vovô era vaidosíssimo da sua condição de paulista velho, embora tivesse nascido no Rio Grande do Sul - meu bisavô estava servindo lá, casou com minha bisavó, Cecilia Ferreira Rangel, em 11 de Novembro de 1880 (sei a data porque, para homenageá-la, mamãe e papai se casaram no
mesmo dia), “a maragatona da Cecilia.” Vovô vivia me dizendo, “vai à Biblioteca Nacional ver a Genealogia da Família Paulista - citava o livro de Silva Leme com o nome errado - e você vai ver minha família.”

(Família dele, não a minha...)

Um dia fui, tinha uns quinze, dezesseis anos, copiei a linha dos Moraes desde Dom Mem Alão, e ele se emocionou todo. O que, com o Velho Justo, não era pouca coisa. Aliás, Tia Neta, mulher de Tio Luiz e também Moraes, pois era prima-irmã de Vovô, vivia nos ameaçando quando íamos dormir, os primos, e a gente ficava fazendo bagunça no quarto, “ou vocês ficam quietos ou a Princesa da Armênia vem puxar os pés de vocês de noite.” A Princesa da Armênia era, bem, a Princesa da Armênia do Título Moraes, de Pedro Taques e Silva Leme. Mas, para mim, era uma cigana terrível, antepassada arquetípica, apavorante, imensa de poderosa com poderes mágicos. Não era bom desafiar a Princesa.

Volto a Tatá.

A família de papai costumava ir veranear em Friburgo, no sítio de Tatá, o Rosário, em Conselheiro Paulino. (Conhecíamos toda a história do Conselheiro Paulino, porque seu neto Fernando Paulino era, digamos assim, o cirurgião oficial da família.) Dessa vez estavam no Rosário, Tatá e Tia Minha Helena, Dindinha - Conceição, irmã de papai e de Tatá - e papai e mamãe. Eu, devia ter uns dez anos.

Converso com Tatá na varanda do sítio, Tatá lendo jornal. Tatá sentado na Ponte de Comando, uma poltrona preta, reclinável, muito gostosa, art-déco, que está agora comigo aqui em casa, na minha varanda. Jornal aberto na sua cara, Tatá me ouve e fala comigo de detrás do jornal.

“Tatá, você se chama Antonio Adolpho. Papai é Gustavo Alberto. Titio Gilberto é Luiz Gilberto. Como é o nome de Conceição?”

Sai direto, de trás do jornal:

“Maria das Conchas Conceição.”

Dou uma disparada para a cozinha, onde mamãe, Dindinha e Tia Minha Helena estavam ajudando a cozinheira a preparar o almoço. “Dindinha, por que é que você nunca me disse que seu nome é Maria das Conchas Conceição?”

Sai de lá da cozinha, passos firmes, furiosa, Dindinha, magra, alta, empertigada e empinada, chega na varanda e despeja, mesmo assim sem levantar a voz, terrível na sobriedade do comentário, “Tatá, você não tem o que fazer, fica ensinando besteira ao menino?”

Aí Tatá baixa o jornal, pendura os óculos na boca, franze a cara, “Conceição, respeite seu irmão mais velho, não admito que você fale comigo assim.” E fica de cara emburrada, feia, enquanto Dindinha vai embora, toda majestade ofendida.

“Seu Chico Antonio, ela não quer admitir que se chama Maria das Conchas Conceição.”

Levei muito tempo acreditanto nisso. Achava que era um nome de devoção estranho, tipo alguma Nossa Senhora das Conchas, coisa assim.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

O jequitibá da Rio-Petrópolis


Tem quatro ou cinco séculos. Fica — em linha reta — a uns cinco ou seis quilômetros de onde a família de vovó tinha terras. Me pergunto se, à maneira de ver dos jequitibás, ele viu algum dos meus antepassados de Inhomirim andando pela serra, no século XVII ou no XVIII.

Tatá no Rosário, 1967


Tatá, o Comandante, meu tio, Antonio Adolpho Accioli Doria (1901-1971), oficial de marinha, no Rosário, seu sítio em Friburgo RJ, em 1967, começos. Tatá está sentado na cadeira dele no canto da varanda, de onde ele comandava tudo à volta — era a “ponte de comando,” como a chamávamos.

Meu nome Antonio vem dele e de seu tio, meu tio-avô, Tunico, Antonio Moitinho Doria. Na linha Doria baiana direta (na verdade Moreira da Costa Doria), Tunico foi Antonio IX, Tatá Antonio X, e eu sou Antonio XI (o primeiro Antonio foi Antonio Moreira, pai de Martim Afonso Moreira, que nasceu cerca de 1550 e chega ao Brasil em 1567, e foi o pai de Antonio Moreira de Gamboa, Antonio II, casado com D. Antonia de Meneses, filha de Cristóvão da Costa Doria e de D. Maria de Meneses).

Dando aula, 1974


Sou eu mesmo, yours truly, dando aula; Instituto de Física, UFRJ, 2º semestre de 1974. Devia ser um curso de mecânica clássica; um intermezzo sobre álgebra linear no espaço de Minkowski. Ou talvez um curso de eletromagnetismo clássico, onde estava começando a introduzir a notação covariante de Einstein.

Mamãe no casamento, 1944


Mamãe — Silvia Cresta Mendes de Moraes — no dia do casamento, 11 de novembro de 1944, na casa da vovó, sala de visitas ou sala do piano. O piano está bem à esquerda; ao fundo a bay window da sala (em cima da bay window era a sacada do escritório de vovô, no segundo andar). Na bay window ficavam a mesa de Boulle e várias cadeiras pastiche Luiz XV, com o estofo pintado à mão.

Três fotos



No medalhão, com menos de dois anos, mamãe, em frente da mesa de Boulle. Deve ter sido na casa da bivó Cecilia (Mendes de Moraes) à rua Aristides Lobo, no Rio Comprido.

No retrato quadrado de baixo, vovó - Herminia Cresta Mendes de Moraes - tendo ao lado Tio Luiz (Luiz Mendes de Moraes Neto), mamãe no colo (Silvia Cresta Mendes de Moraes, depois Silvia Moraes de Accioli Doria), e Tia Maria (de casada Maria Moraes Werneck de Castro). Tia Maria está aí a cara de sua filha Herminia Cecilia. Local da foto: jardim da casa do Rio Comprido, da bivó, Cecilia Rangel Mendes de Moraes. Note-se a grama, inabitual em jardins àquele tempo.

No retrato de cima, vovó e bivó Leonor, Leonor Gomes de Mattos, levando pela mão Tia Maria. Ao fundo a casa de Aristides Lobo. A data é entre 1910 e 1911, começos.

O diploma do Dr. Filipe Gomes de Mattos


E' descoberta do Rodrigo Estrella. E mostra que, pelo menos desde o século XVIII, a família tinha letrados (teve outros antes, nesse lado e nos outros).

Mas aqui fica o diploma.

Vovó e sua família


Vovó, Herminia Gomes de Mattos Cresta, nasceu no Rio em 5 de maio de 1888 e morreu na mesma cidade em 9 de julho de 1977. Casou em 28 de julho de 1908 com vovô, o Velho Justo, Justo Rangel Mendes de Moraes.

Depois falo de vovô, Vovô Dindinho, porque era meu padrinho (fui batizado no dia do aniversário dele, 14 de janeiro de 1946, ele fazendo 63 anos).

Vovó e vovô viviam na casa imensa de Copacabana — no meio de um terreno de mais de mil metros, tinha dez quartos, uns três salões: sala de visitas, ou sala do piano, onde ficavam um piano Érard de meia cauda, uma mesa de Boulle que com certeza não era do Boulle original do século XVII, mas de algum carpinteiro especializado em marchetaria do século XIX, e vários quadros, entre os quais uma Madonna que me fascina até hoje; o hall central, que virou uma espécie de sala da televisão, enorme, com vigas no teto, expostas, pintadas de marron escuro, a tv num console com toca-discos e rádio num canto junto de um dos arcos se abrindo para a varanda; e a sala de jantar, com sua mesa para vinte lugares, e, numa bay window, separada da sala por um degrau, com uma mesa na qual os netos menores almoçavam antes do almoço formal dos adultos.

Vovó era filha de um italiano, genovês, Emmanuel Cresta, e de uma carioca, D. Leonor Gomes de Mattos. Depois falo do bisavô italiano, cujo nome se pronuncia Emânuel, nome de meu tio caçula, poeta e advogado, Emanuel de Moraes. Agora vou falar da surpreendente família de vovó, toda carioca até o século XVI. Ela não sabia disso; nenhum de nós sabia dessa ascendência, levantada pelo Rodrigo Estrella neste ano de 2007.

Vou dar a linha direta, varonia, dos Gomes de Mattos:

I. José da Silveira. (Tem alguma dúvida aqui, ou alguma confusão que ainda se vai esclarecer.) Senhor de engenho em Inhomirim. Inhomirim é na Raiz da Serra, ao pé da Estrada Velha de Petrópolis (ou da Calçada de Pedra, o antigo peabiru — caminho dos índios — que adentrava o país, e que foi calçado pelos bandeirantes). Nascera em fins do século XVI, nas ilhas, e seu nome seria de Toledo da Silveira.

O engenho poderia não ser de açúcar, mas sim um engenho de moer mandioca, já que a região era produtora de mandioca.

Se a interpretação dos documentos estiver certa, teria casado com uma Inês da Costa. Pais de:

II. Antonio de Toledo. Este personagem é certo. Teria nascido em começos do século XVII, e casou-se com Maria Lopes de Figueiredo, n.c. 1619, provável filha do vereador Alexandre Lopes de Figueiredo, n. 1585, e de Ana de Góes. Pais de:

III. Alberto de Toledo. Casou com Ana Gomes, filha de Dom Fernando Ramirez e de Inês da Costa (que seria a mesma supra). Pais de:

IV. Valério Gomes da Silveira. Nasceu em 1689 ou 1690 em Inhomirim: provavelmente foi batizado em 22 de janeiro de 1690, em Inhomirim, nas terras de sua família, na igreja de N. S. da Piedade.

Casou-se em 1736 com D. Maria do Bonsucesso, ou D. Maria Antunes de Mattos, nascida em 1710 e batizada em S. Gonçalo, filha do licenciado José Antunes de Mattos e de sua mulher Maria Vieira. Esta Maria Vieira era filha de Baltazar Vieira da Veiga e de Catarina de Siqueira, filha de André de Siqueira de Lordello, n. 1612, vereador, e de Madalena de Campos, n. 1624, filha de Bento Maciel Tourinho, da família de Pero do Campo Tourinho, donatário de Porto Seguro (Bento era filho de outro Pero do Campo Tourinho, que viveu no Rio, e não deve ser confundido ao donatário). Teve sesmaria em 1749 “nas bandas de um rio que chamam Piabanha,” junto das terras de Francisco Muniz de Albuquerque.

Pais de:

V. Dr. Filipe Gomes de Mattos. Primeiro a usar o nome Gomes de Mattos. Foi batizado na igreja de N. S. da Piedade de Inhomirim em 21 de maio de 1745, e casou em 1787 com D. Maria Joaquina de S. José, ou do Bonsucesso, filha de Bartolomeu Machado Ferreira, natural da Terceira, e de sua mulher Joaquina Ignacia da Luz.

Padrinhos de batismo do Dr. Filipe Gomes de Mattos foram Francisco Moniz de Albuquerque e sua mulher D. Maria de Meneses. O Dr. Filipe graduou-se em Coimbra em cânones em 1774 (o processo de concessão de seu diploma foi descoberto pelo Rodrigo Estrella). Francisco Moniz de Albuquerque tinha uma enorme sesmaria no caminho da Posse, aqui em Petrópolis, e ao lado desta sesmaria teve terras Valério Gomes da Silveira.

Daí segue a linha Gomes de Mattos. Bivó Leonor, D. Leonor Gomes de Mattos, era filha de Antonio Gomes de Mattos Jr., dado como o Pai da Marinha Mercante Brasileira, e de D. Joaquina Rosa de Oliveira Costa, que deu o nome à “Praia da Joaquina” perto de Florianópolis, e neta de Antonio Gomes de Mattos e de D. Bernardina Florinda Naite, casados em 1826.

Antonio Gomes de Mattos, o primeiro, era filho do Dr. Filipe.

Vovó descendia também de Antonio de Marins ou Mariz (o “Dom” Antonio de Mariz de O Guarani), e da irmã de Aleixo Manuel, que em meados do século XVI abriu a Rua do Ouvidor no Rio (Pedro me acrescenta: rua de Aleixo Manuel, depois rua do Desvio da Praia, e então rua do Ouvidor). E tem uma linha nos Meneses que chega longe, pela idade média. Depois posto isso.

Também assinalo as três escravas de que descendemos, nesse lado.

Na imagem: a concessão da sesmaria junto ao Piabanha, uma légua em quadra, a Valério Gomes da Silveira. (Obrigado, Rodrigo Estrella; imagem cedida pelo IANTT.)

A Casa da Vovó


A data da minha foto é 1955, meados do ano. A foto dos carros é de 1952, quando ganhei uma câmarazinha box, e saí tirando foto de tudo que aparecia na minha frente - lembro bem, usava filme preto e branco (a cores, nem pensar, era caríssimo e a gente tinha que mandar revelar no Panamá).

Minha foto: estou de pé no caminhozinho de pedras que ia até o poço, no fundo dos jardins da casa da vovó. O jardim era um jardim coisa como japonês, todo coberto de areia que vinha da praia a uma quadra de distância, e ancinhado pelo jardineiro todo dia de manhã. O endereço da casa da vovó era: Rua Rainha Elizabeth, 53. Depois a prefeitura mudou nome e número para: Avenida Rainha Elizabeth, 129, porque a rua era larga demais para ser apenas rua (a rainha Elizabeth homenageada era a rainha Elizabeth da Bélgica, mulher do rei Alberto, que visitou o Brasil).

Não lembro quem tirou minha foto.

A foto mais antiga, dos carros na frente da garagem (o chalet dos empregados, como vovó dizia), é de 1952, talvez do dia mesmo em que papai e mamãe me deram de presente a máquina fotográfica, ou máquina de retrato, que é como se dizia. O carro de vovô era um Hudson azul escuro, comprado em 1947 ou 1948; do lado esquerdo da foto aparece a caminhonete Bedford de Tio Luiz, Luiz Mendes de Moraes Neto, que era cinzenta e na qual ele nos levava — quando o carro funcionava — para tomar água de coco e comer camarão frito em São Conrado, então um deserto.